“Eu escuto.”
“Por quê?”, risos.
Depois de ouvirmos uma obra do
compositor alemão Karl Stockhausen, um dos garotos da classe estava perplexo
com minha resposta afirmativa. “Não só essa, mas as outras músicas que ouvimos
na aula de hoje também”, completei. “E digo mais – continuei a provocação –,
essas primeiras obras eletroacústicas que apreciamos hoje e outras que
infelizmente não teremos tempo para ouvir tornaram, de certa forma, o funk que
vocês curtem possível”. Silêncio, risos, protestos. Protestos, risos
silêncio...
“Não é viagem minha”,
reiterei. “Explico”, explanei brevemente a linha de influências (Acadêmicos de
plantão, perdoem-me a simplificação que se fez necessária): “Funk ostentação →
Funk carioca/DJ Malboro → Miami Bass/Afrika Bambaataa → Kraftwerk → Stockhausen
→ Música eletrônica e outras especulações sonoras da década de 50”. Ainda surpresos
e um pouco incrédulos, mostrei a eles como alguns sons clássicos da música
eletrônica (senoidal, onda quadrada, triangular, dente de serra) e alguns
procedimentos da música concreta (colagem, cortes, fade in e fade out etc)
compunham o repertório técnico e sonoro do funk.
“Mas não é a mesma coisa”, arrematou uma aluna.
“Não, não é a mesma coisa”.
Risos.
Essa exposição ao diferente, assim como a
contextualização ampla do fenômeno musical e a construção de um link direto com a realidade dos estudantes
foram preocupações constantes do meu trabalho em sala de aula. Organizei minha
prática docente em torno da tríade apreciação-contextualização-criação. Assim,
para completar a trindade pedagógica, iniciamos o processo de criação. Em
grupos, os alunos foram convidados e provocados a criar músicas manipulando
sonoramente palavras de poemas concretos (que naquele momento estudavam em
literatura). Para manipulação, usamos ideias estudas nas obras apreciadas.
Utilizamos notação gráfica (estudada no bimestre anterior) para codificar os
sons em sinais gráficos. Os grupos expuseram no quadro negro suas criações.
Cantamos. Ensaiamos. “De novo, até ficar bom, professor”, diziam. Gravamos em
áudio as obras. O que rendeu uma diversão à parte.
Ao término, com diferentes graus de envolvimento, a
garotada ouviu muita coisa diferente, discutiu, refletiu e criou suas próprias
obras. Alguns continuaram a descobrir novas músicas relacionadas ao repertório
apresentado. “Achei essa música do Pentatonix, cê já ouviu?”, comentavam comigo. Outros mostraram interesse em
como os processos de criação demandam não só inspiração, mas técnica e
reflexão. “Ô professor, posso ir para o agudo aqui e quando repetir ir para o
grave, mas com mais força”, tentando aplicar as técnicas estudadas em suas
criações.
Essa e outras experiências como
professor em uma escola pública da periferia paulistana, sempre me fizeram
refletir sobre o porquê a disciplina de Arte é essencial ao ensino médio. São
nesses anos que o indivíduo se encontra mais propício a reflexões abstratas,
isto é, a refletir com maior grau de profundidade o mundo que o cerca. Por que
não se debruçar sobre uma forma de experienciar-compreender que acompanha a
humanidade desde o período Paleolítico Superior? Entre os zilhões de argumentos em favor do ensino da arte, pareceu-me mais
pertinente descrever brevemente como a disciplina pode ajudar a conectar os
alunos com suas experiências cotidianas, mudar suas visões sobre elas e propor
novos espaços de expressão. São transformações lentas, cuja mensuração é
difícil, mas essenciais para tornar-se pessoa. Por que privar os estudantes
dessas oportunidades?
Eduardo
Frigatti
Compositor,
violonista e educador musical. Mestre em música pela UFPR. Doutorando em música
na ECA-USP.
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